segunda-feira, 29 de agosto de 2005

Distraído? Eu?

Quem convive comigo sabe o quanto eu sou esquecido e desligado às vezes. Ainda mais nos dias mais cheios: passando a noite em claro, saindo de casa de manhãzinha pra trabalhar, indo direto pra faculdade, passando em casa pra jantar e zarpando pra academia. Depois de três dias com a agenda assim, não há cérebro que agüente!


Num desses dias eu passei em casa pra almoçar e tal, e enquanto estava escovando os dentes aproveitei pra separar uns documentos que eu tinha que levar pra faculdade, contrariando o primeiro mandamento dos esquecidos: "Não farás duas coisas ao mesmo tempo!" Peguei os documentos coloquei na mochila, peguei a chave e saí. Já na calçada, trancando a porta de casa, lembrei que estava escovando os dentes. Com a escova na boca, cheia de espuma.

domingo, 14 de agosto de 2005

Vagando no submundo dos mortos

Ontem encostaram uma pistola na cabeça e me mataram!

Quando dei por mim estava em um lugar próximo, andando sem saber pra onde ao lado de uma amiga que estava comigo na hora de minha morte. Ela era a única pessoa ou coisa conhecida ali, e estava estranhamente alegre! Isso me chocou: Um amigo acaba de morrer e ela fica alegre...? Talvez ela acreditasse que eu estivesse melhor onde eu estava. Ou talvez ela acreditasse ter ganho um protetor. A verdade é que eu não sabia o motivo de sua alegria, mas, já não estava mais chocado. Ela com sua leveza me tranqüilizou, então entendi que sua intenção era essa. Fiquei um pouco mais com ela, e me despedi sem palavras, e saí, procurando meu caminho.

Quando eu tinha carne e osso acreditava que ao desencarnar tudo seria fácil. Um eterno dia de domingo no parque, de vez em quando alguma tarefa angelical, e quando chegasse a minha hora voltaria a Terra pra cumprir meus carmas que adquiri em vidas passadas. Algo como a novela "A Viagem", sabe?

Vagando ainda na Terra, entre vivos e mortos, sem saber diferenciá-los com clareza, sem um guia espiritual que acreditava merecer, desesperado. Em vida, nunca me vi tão sem esperança! Pensei: "Já era, maluco! Virei assombração!"

Então, vi um balcão no meio do nada, com um casal de atendentes. Uma fila não muito grande, mas muito demorada. Aquilo não podia ser do mundo dos vivos, então entrei na fila pra ver que raio de balcão é aquele. Após alguma demora chegou minha vez:

— Oi, eu morri!

E a atendente disse:

— Claro que morreu, por isso você está aqui, para dar baixa e ver pra onde você deve ir.

Ê, burocracia da porra! Eu tentava me manter o mais calmo possível, mas o mais calmo possível já era quase chorando! Tentei dar um jeitinho... Pra viver mais, sabe? Falei baixinho:

— Senhora! Eu quero muito viver mais, eu não fiz muito do que acreditei ser meu destino. Na verdade não fiz quase nada!

Notei pela sua reação que minha volta à vida não era algo impossível. Houve um minuto de silêncio, e ela consultou com os olhos o seu colega de trabalho que ouvia a conversa. Então ele tomou a palavra:

— E de quanto tempo você precisa, meu filho?
— Ah! Acho que seu eu morrer aos 70 eu morro bem!

Ele riu alto, sem querer ser cruel, mas, ferindo as minhas esperanças e o meu orgulho.

— As coisas não são assim! Você morreu porque tinha que morrer! Se você quiser mesmo voltar a gente dá um jeitinho, mas, a morte vai te buscar no mais tardar à uma hora da madrugada!

— Cacildis! E isso me dará quanto tempo?
— Você morreu às 22 h, e vai voltar às 22 h.

Teria então, no máximo, três horas de vida. Me perguntei se eu teria consciência de que minhas horas estavam contadas. E o que faria nas minhas três últimas horas? Abraçaria minha mãe... tomaria um banho quente. Foram os dois desejos que se manifestaram na hora. Poderia talvez me despedir de algumas pessoas que foram importantes na minha vida. Ah! De fato eu não queria fazer isso! Afinal, todos a quem eu amo sabem disso, e tem idéia do quanto. E por algum motivo eu acreditava que falar com muitas pessoas mudaria o equilíbrio natural das coisas. Outra coisa que me preocupava era a possibilidade de ter uma morte meio ridícula. Eu poderia escorregar no banheiro e bater a cabeça por dançar como um idiota no chão ensaboado. Quantas vezes eu já quase caí assim? Não! Não quero arriscar! Prefiro a minha morte heróica! Foi muito mais legal!

Me afastei daquele balcão de repartição pública do terceiro-mundo-dos-mortos e segui sem rumo, chorando com medo de virar encosto. Oxi! Tá amarrado! Mas, pior seria ir pro Inferno! Seria melhor ter morrido sem conhecer Dante. Deu um medo! Mais do que em qualquer fé, eu pensava na "Divina Comédia". Talvez meus pecados nem sejam tão graves, talvez eu vá para o Purgatório, para o lugar destinado aos mortos por violência.. Ah! Não sei!

Andei, andei, andei... até chegar a um lugar onde eram raras as almas, encarnadas ou não, continuei andando, andei até desmaiar ou dormir. Acordei em um lugar onde não havia luz, ouvia sons como de máquinas gigantescas que passavam longe de mim, umas indo, outras vindo, pessoas gritavam e falavam alto com uma alegria rude. Ouvia sons abafados de explosões com intervalos irregulares e vindos de direções distintas. A superfície onde me encontrava era macia, mas, meu corpo estava desconfortável! Fiquei observando os sons por algum tempo. Então levantei, fui até a janela. Estava no Morro da Mangueira e era uma noite escura. Uma gente esquisita bebia no bar da esquina e fazia muito barulho...

Sentei-me na cama e pensei:

Tenho que salvar minha alma! Na próxima vez que eu morrer pode ser fatal!